A realidade nada engraçada atrás da série “deixei as crianças com o pai”

Pela manhã do dia 10 de julho do ano passado, li uma tirinha no perfil de @filhasdefrida falando sobre a carga mental que nós, mulheres, enfrentamos com jornada tripla de trabalhos e funções onde em cada uma nos cobramos uma perfeição inexistente. Até compartilhei porque acredito muito na importância de termos consciência da existência do inconsciente coletivo e trabalharmos para mudar essa realidade. A mesma tirinha foi compartilhada também pela Hypeness: quadrinho explica por que as mulheres se sentem tão cansadas. Como ironia do destino, logo em seguida li mais uma piada sobre o tal “deixei as crianças com o pai”

Sei que estamos em um momento delicado da sociedade onde corremos risco de ver problema em tudo e acabamos tirando a graça dele. Mas sabe, eu tenho um olhar diferente sobre a graça e o humor possível. Sempre tangenciei os mais populares e procurei o respeito. Afinal, será mesmo que a melhor comédia é fruto do sofrimento de outro?

Junto a isso entendo que estamos em um momento de construção de um novo inconsciente coletivo para a figura feminina que não cabe mais no lugar onde foi colocada. Pelo contrário, agora ela está livre. Mas como se sentir livre, feliz e segura ainda em um local onde há tantas amarras psicológicas que sustentam culpas invisíveis?

O QUE NINGUÉM TE CONTA

A piada em enaltecer a falta de experiência de um pai para cuidar de sua própria cria não ajuda muito nessa nova necessidade de mudança das funções e papéis sociais da mulher e do homem. Aliás, você sabia que não há definição social para a palavra #mulher? Mas da palavra #homem

OLHA POR ESTE ÂNGULO:

nós, mulheres, vivemos nos cobrando a perfeição. Queremos ter filhos, bons empregos, uma excelente formação para um bom currículo e conhecer mais desse mundo, seja pra gente ou pra dividir com uma cria ou numa mesa de bar. Mas na hora do “vamos ver”, nos deparamos apenas com um acumulo mental de tarefas diárias. Onde a perfeição é o ponto a se chegar em cada papel. Agora vamos nos colocar no lugar de uma mãe. 

Uma mãe que tem essa rotina de trabalho, estudo, filho, casas, marido. Percebeu? Marido acaba entrando na lista das rotinas como uma tarefa a mais embora não faça sentido. Marido, companheiro, parceiro é pra compartilhar essa vida e não um filho ou obrigação a mais, mas isso é outro ponto. 

A QUESTÃO AQUI É ESSA MÃE

em alguns momentos ela precisa sim de um tempo.

Aliás, não precisa: ela tem o direito a isso, tal como o pai. Todavia na hora em que ela se dá esse luxo e precisa que o pai cuide do próprio filho(?), ela acaba ficando insegura, afinal ele não tem tanta experiência assim, não é? Quem diz isso? Ora, a sociedade e suas piadas. Mas cá entre nós, pelo olhar da mãe, onde cabe a piada mesmo? 

Atenção: aqui não falo da comédia em si enquanto estudo com a função de crítica essa virou artigo de luxo em tempos de memes cotidianos que acabaram ofuscando o brilho do, por exemplo, cartunista. 

AQUI FALO DAS PIADAS

elas acabam enaltecendo comportamentos e dando força para que eles continuem. Infelizmente hoje aqui no Brasil é o que acontece. Assim, ao se deparar com piadas sobre a falta de cuidados e experiências do pai com seu filho acabamos dando força para aqueles que não desejam se responsabilizar e assumir suas tarefas como suas. Acaba ficando “fofo e engraçado“. É preciso entender que o inconsciente coletivo deve desconstruir a ideia de ajuda e falta de obrigação paterna, algo que tais piadas não colaboram muito. 

ENFIM, EMBORA ACABE CAINDO NO DILEMA DE NÃO QUERER SER A CHATA QUE VÊ PROBLEMA EM TUDO, DIGO:

não vejo piada em enaltecer a falta de experiência do pai com sua própria cria. Pelo contrário, chega a ser ridículo e, sinceramente, tais piadas, desse ângulo, já ficaram sacais. 

Precisamos mudar o inconsciente coletivo e entender que cuidados sobre a sobrevivência (tarefas diárias) deve ser uma carga pessoal e não da mulher. O homem, quando casa tem uma parceira e não uma babá. O homem quando é pai deve saber cuidar sim de sua cria e não depositar tal responsabilidade exclusiva para a mãe se sentindo mais a vontade sendo o protagonista bobo de um viral online.